Pedro Martins Barata: “Ninguém quer um acordo fraco”

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Posted by Renascença | Posted on 09:57

Pedro Martins Barata, negociador português em Copenhaga e membro do Comité Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, defende que é preferível criar as condições em Copenhaga para que seja possível aprovar um acordo reforçado sobre o clima em 2010. ouvir aqui a entrevista


Já foi admitido à partida que não vai sair de Copenhaga um acordo jurídico, mas no máximo uma espécie de entendimento ao nível politico. Isso é suficiente?

O clima não fica pior por adiarmos a constituição do regime climático um ano, desde que as metas definidas sejam mais eficazes, que o sistema seja mais robusto e que os volumes de financiamento acordados sejam efectivamente maiores. Se quisermos pressionar para haver um acordo em Copenhaga corremos o risco de termos um acordo que é muito menos ambicioso e, por consequência, que cumpre menos aquilo que é necessário. E o que é necessário é um entendimento que instaure um regime climático que nos permita atingir metas de redução muito mais fortes e muito mais ambiciosas do que aquelas que temos actualmente.

Há o exemplo do Protocolo de Quioto, que deixou de fora aquele que era na altura o maior poluidor mundial…

Exacto. Ninguém quer uma repetição de Quioto, com um acordo fraco ou um acordo que até possa ser muito ambicioso, mas em que os EUA roam a corda. Temos de ser realistas e tentar ver o que é que pode ser, efectivamente, conseguido em Copenhaga, mas não vamos seguir a via de ter um entendimento negocial, total e completo, se isso impedir a possibilidade de um acordo mais ambicioso daqui a seis meses ou um ano.
Aquilo que vai ter de ser feito é criar um espaço para todos respirarmos fundo. Por exemplo dar possibilidade aos EUA para, internamente, irem mais longe e conseguirem definir bem a sua política doméstica de alterações climáticas. [A legislação está neste momento empatada no Senado.]

É por isso que Obama não leva uma proposta mais ambiciosa a Copenhaga?

É preciso rever a história. O Protocolo de Quioto foi assinado pela administração Clinton, mas um mês ou dois antes, o Senado tinha dito, de forma absolutamente clara e com uma votação totalmente unânime (96% dos votos), que os EUA não iriam ratificar um protocolo em que a China e a Índia, os países emergentes, não tivessem responsabilidades. O tempo mudou, as prioridades mudaram, mas esta administração Obama está perfeitamente ciente - até porque muitos dos negociadores actuais são os negociadores dessa Era Clinton - de que não quer repetir o erro. Quer ter um mandato negocial forte que lhe seja dado pelo Congresso, através de uma política doméstica já perfeitamente montada.

O que é que deve constar então de um eventual acordo em Copenhaga?

Neste momento é preciso condensar, de tudo aquilo que está cima da mesa, as mensagens mais importantes que Copenhaga tem de ter. Provavelmente estabelecer uma meta global a longo prazo para 2050, uma meta de médio prazo para 2020, e criar uma extensão do actual processo negocial, que nos permita chegar a meados do próximo ano ou, eventualmente, à próxima conferência em Novembro, no México, com uma nova disponibilidade para negociar.


Porque é que foi tão demorado para a União Europeia chegar a um acordo sobre o pacote financeiro para os países em desenvolvimento?

A União Europeia mudou desde o Protocolo de Quioto para cá. A UE negociou Quioto como um bloco de 15 países, todos eles diferentes em termos de estado de desenvolvimento. Na altura, Portugal era o país mais pobre. Hoje, temos oito países substancialmente mais pobres do que Portugal. Nesse sentido, quando se pede um esforço de financiamento acrescido e muito superior àquilo que foi negociado no Protocolo de Quioto, é natural que haja resistências, ainda para mais numa época de crise económica e financeira. E essa relutância é ainda mais acrescida por parte desses novos países.

O objectivo proposto pelos países desenvolvidos é um aumento da temperatura que seja no máximo de 2ºC até ao final do século. Mas isso será suficiente?

De facto a Aliança dos Pequenos Estados Ilha, que também está presente em Copenhaga, tem argumentado, e com sucesso, que mesmo a meta mais ambiciosa dos países desenvolvidos para eles é uma condenação à morte! Porque os 2ºC muito provavelmente vão resultar no degelo da calote polar do Árctico, e só isso pode provocar uma subida do nível mar que para alguns dos países com cotas mais baixas representa o fim. Temos situações de ilhas do Pacífico em que, a nível internacional, foi já pedido o estatuto de “refugiado climático”. São arquipélagos inteiros. São dezenas e, nalguns casos, centenas de milhares de pessoas que vivem em países que podem estar em perigo.


Isso quer dizer que o debate político está assente sobre dados desactualizados?

Infelizmente, a ciência está a evoluir mais depressa do que o próprio processo político. Isto tem implicações, porque considero que o próprio processo político tem de mudar. Temos um processo político em que, de ano a ano, reunimos a nível ministerial. Temos actualmente um regime climático que é pensado a 5 ou 6 anos, e temos de pensar num regime climático a 20 ou 30 anos. Para isso precisamos de ter uma fórmula para rever periodicamente - e mais vezes do que aquilo que temos feito - as nossas próprias metas. Isto para perceber se aquilo que tínhamos pensado que era o consenso científico há três anos ainda se mantém.





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