Nuno Lacasta: "Está a fechar-se a janela de oportunidade"

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Posted by Renascença | Posted on 23:43

“A janela de oportunidade para podermos enfrentar o desafio das alterações climáticas está a fechar-se”



Em entrevista ao Página 1, Nuno Lacasta, coordenador executivo da Comissão para as Alterações Climáticas e negociador chefe da delegação portuguesa na Cimeira de Copenhaga, explica os contornos do encontro que centra as atenções do mundo.




- Depois da cerimónia de abertura, chegou o tempo das negociações à porta fechada. O que é que está a acontecer na cimeira?
- A primeira semana tem como objectivo a preparação de um conjunto de decisões, sobretudo de cariz técnico, sobre matérias como desflorestação, transferência de tecnologia limpa e financiamento. Isto porque os elementos do acordo político que se pretende alcançar em Copenhaga têm de ser operacionalizados e constar de um texto negocial, que não se finaliza em 24 horas… Por isso a primeira semana é dedicada a questões técnicas, e a segunda a negociações políticas de alto nível.

- Mas quando a cimeira começou já havia um trabalho intenso de preparação por trás.
- Sim, durante os últimos dois anos decorreram, em vários pontos do mundo, dezenas de reuniões de negociadores que culminam agora em Copenhaga. Neste momento existem algumas centenas de páginas de textos negociais com uma série de opções, e aquilo que temos de fazer durante a primeira semana é estreitar essas opções, de forma a termos algo que seja manejável para aprovar.

- Quais são os principais temas da cimeira?
- Podemos falar de um triângulo de temas. Em primeiro lugar, num dos vértices temos a identificação de metas de redução para os países desenvolvidos, ao nível das emissões de gases poluentes. Em segundo lugar, a identificação e apresentação de acções de mitigação [combate às causas das alterações climáticas] por parte dos países em desenvolvimento. E em terceiro lugar, a identificação de critérios de financiamento para acções em países em desenvolvimento que requeiram o apoio da comunidade internacional. O sucesso de Copenhaga vai, por isso, depender da resolução destes três principais assuntos.


-O acordo político tem de conter todos os pontos desse triângulo?
- Sim. Hoje é claro que a ameaça da mudança do clima não pode ser resolvida apenas com reduções por parte dos países desenvolvidos. O Protocolo de Quioto previa reduzir as emissões globais em cerca de 5%, mas só vinculava alguns países. Precisamos de reduções globais na casa dos 50% até 2050. Todos têm de contribuir, e os países em desenvolvimento têm de desempenhar também um papel. Hoje em dia, por exemplo, a China já ultrapassou os Estados Unidos como o país com mais emissões…

- E é possível obter um acordo num contexto de crise económica e financeira?
- Penso que sim. Entre as respostas possíveis à crise estão medidas para conseguir maior eficiência. Medidas, no fundo, de poupança. Há menos dinheiro disponível e as pessoas têm de utilizá-lo de forma mais criteriosa. E não é por acaso que os planos de recuperação económica têm, cada vez mais, medidas na área da eficiência energética e energias renováveis. A crise permite que se olhe para as questões das energias renováveis e da mudança do clima também como uma oportunidade. O desafio é garantir essa trajectória no pós-crise.

- Ao nível da redução das emissões, onde está o grande obstáculo a um entendimento?
- Penso que o que é importante sublinhar é que temos em cima da mesa propostas por parte dos países essenciais para se obter um acordo. A União Europeia é o bloco que lidera, tem a posição mais ambiciosa. Os Estados Unidos também fizeram a sua proposta. Tinham ficado de fora do Protocolo de Quioto, uma atitude que mudou agora com a administração Obama. E em relação aos países em desenvolvimento - como a China, Índia e Brasil - é muito importante notar que pela primeira vez colocam números em cima da mesa…


- Mas, no geral, estas propostas são suficientes?
- Estas propostas, tal como estão em cima da mesa, não são suficientes. São um princípio de negociação. Será preciso revê-las para não perder de vista o objectivo do aumento da temperatura média global não exceder os 2ºc até ao final do século. Trata-se de uma meta considerada fundamental pela União Europeia, a partir da qual podemos ter impactos irreversíveis no clima…

- É preferível um consenso mínimo a abdicar de um acordo como ponto de chegada?
- Como dizia o Presidente da Comissão Europeia, não se trata de saber se há plano B, mas sim de garantir que temos hoje a capacidade (e há sinais nesse sentido) de congregar as vontades políticas ao mais alto nível. Não é secundário que as principais economias mundiais estejam preparadas para negociar em Copenhaga. Isso é fundamental! Não podemos perder esta oportunidade. A janela de oportunidade para podermos atacar este enorme desafio civilizacional, que é o da mudança do clima, está a fechar-se. Para atingir a meta global de redução das emissões em 50% até 2050, as emissões globais têm primeiro que atingir um pico histórico e depois começar a descer até esse nível. A ciência diz-nos que o pico dessas emissões deve acontecer um pouco antes de 2020. E, por exemplo, um investimento numa central eléctrica tem de se fazer agora para ela estar em vigor em 2020, 2030 e 2040! Esta é uma altura histórica que não podemos, de modo nenhum, desperdiçar. Temos de chegar agora a um acordo politico, que se possa tornar juridicamente vinculativo no próximo ano.

- O que é que esse acordo pode ter de semelhante com Quioto?
- A União Europeia tem dito que concebe o acordo juridicamente vinculativo como um novo tratado, que inclua todas as partes e que, ao mesmo tempo, receba os elementos essenciais de Quioto. Isto porque considera que o Protocolo de Quioto é um instrumento absolutamente histórico. E é uma história de sucesso, apesar de tudo, na resposta global às alterações climáticas. Há muitos elementos importantes em Quioto, como sejam as metas para os países desenvolvidos, os instrumentos de mercado de carbono, um mecanismo de desenvolvimento limpo, por exemplo. Um conjunto de elementos essenciais que pretendemos transportar para o novo tratado internacional por uma razão: não fazia muito sentido reinventarmos a roda, quando já temos um conjunto de elementos que estão a funcionar! Por isso, creio que o bom senso, de facto, é utilizá-los na fase futura da política climática internacional.

- Os Estados Unidos e Obama estão a fazer a proposta possível à comunidade internacional?
- Eu creio que a perspectiva norte-americana passa por evitar cometer, em parte, os erros de Quioto. Há, em certo sentido, uma idiossincrasia constitucional norte-americana, porque os EUA primeiro aprovam legislação nacional e só depois se vinculam a metas internacionais. Em Quioto, o que se passou foi exactamente o oposto. Os EUA aceitaram uma determinada meta internacional, mas não tinham garantido o apoio do Senado, que é necessário para ratificar tratados internacionais. Portanto, os EUA estão muito sensíveis a essa realidade agora.


- E a proposta chinesa, é apesar de tudo ainda um mistério para os negociadores?
- É muito positivo que a China tenha considerado que existem condições para apresentar um número relativamente àquilo que indica como sendo capaz de fazer. A China é um actor internacional da maior importância. Creio que está a assumir a responsabilidade que lhe cabe. E não podia deixar de ser assim também em matéria de alterações climáticas. Por outro lado, a China está num estado de desenvolvimento diferente daquele em que se encontram as economias ditas desenvolvidas. E nesse sentido é razoável considerar-se que para a China - como aliás, genericamente para os países em desenvolvimento - a abordagem deve ser diferenciada. Temos que garantir que todos os países, incluindo a China, estão dentro do chapéu do novo acordo internacional, e temos de trabalhar em conjunto no sentido de garantir que conseguimos ter mais ambição no acordo de Copenhaga.






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