Filipe Duarte Santos: " falta transparência na utilização dos dados climáticos"

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Posted by Renascença | Posted on 18:50

O coordenador do primeiro estudo sobre alterações climáticas acredita que 2010 trará o tratado que será precedido do acordo político em Copenhaga. O Professor Catedrático de Física comenta o Climate Gate e levanta dúvidas sobre a transparência na recolha dos dados observados em estações meteorológicas. Mas nada disso abala o que a ciência já concluiu de forma quase unânime sobre a causa antropogénica do aquecimento global.

RR: Os nomes envolvidos no chamado "Climategate" não são propriamente desconhecidos. São cientistas com grande nomes na ciência climática. Causou danos à ciência ?
FDS: Penso que tem havido alguma falta de transparência no que respeita à utilização dos dados climáticos que permitem calcular a temperatura média global e a sua evolução. Esses dados devem estar acessíveis para que qualquer grupo de investigação possa efectivamente fazer cálculos a partir deles. Uma coisa são os dados, outra são as conclusões que se tiram a partir deles. E para escrutinar essas conclusões temos um sistema de arbitragem, por pares, nas publicações em revistas científicas. Eu creio que este caso vai melhorar a forma como se faz ciência no futuro, no que respeita à parte climática e meteorológica, a partir das séries climáticas. Vai permitir tirar conclusões sobre como está a evoluir a temperatura média global, a precipitação, enfim todos os parâmetros.
O IPCC - Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas - tem uma síntese muito boa. E aquilo que efectivamente se sabe, e que está contido nos dados, é que há uma tendência de aumento da temperatura média global,. E que essa tendência não se interrompeu no final do século passado, continua no século XXI. Há de facto mais estudos, mais investigação a fazer. Agora, temos que utilizar o princípio da precaução, porque estamos perante um risco muito significativo. Apesar de não termos um conhecimento completo de como funciona o sistema climático, temos que precaver uma mudança climática que seria muito gravosa, sobretudo para os países mais vulneráveis.

RR: Portanto, não põe em causa o adquirido ?

FDS: Não ponho em causa o adquirido ! Tem havido um escrutínio profundo de tudo aquilo que foi publicado em boas revistas de investigação na área do clima. Têm-se colocado todas as hipóteses que os centros de investigação têm fornecido. Evidentemente, há sempre incerteza, podem sempre colocar-se outras hipóteses. Mas o facto é que, por exemplo, as variações que têm sido observadas na radiação solar não são uma explicação alternativa para o que se tem observado em relação ao clima. Temos que entender que algumas actividades humanas estão a modificar a composição da atmosfera. Estamos a aumentar a concentração dos gases com efeito de estufa, em especial do dióxido de carbono, do metano e do óxido nitroso. Isso é algo que se mede, algo que é muito objectivo. Sabe-se que esse excesso de dióxido de carbono na atmosfera - o carbono nessas moléculas - tem origem nos combustíveis fósseis. Isso é algo que está muito bem documentado, porque tem a ver com a composição isotópica desse carbono. Sabe-se inclusive que o aumento da concentração do CO2 na atmosfera está relacionado com um ligeiríssimo, mas observável declínio da concentração do oxigénio que foi necessário combinar-se com o carbono para formar a molécula de CO2. Portanto tudo isso é muito robusto do ponto de vista científico. E de facto, tudo indica que se, tal como no passado recente, continuarmos a depender dos combustíveis fósseis e a desflorestar ao ritmo que se está a fazer, vamos ter alterações climáticas cada vez mais gravosas.

RR: Acredita num acordo em Copenhaga ?
FDS: Estou convencido que vamos continuar a negociar. Provavelmente só no próximo ano no México é que teremos um acordo vinculativo de carácter global. Já não é mau um acordo político. Penso que os líderes políticos que vão estar reunidos em Copenhaga não se podem dar ao luxo de não chegar a algum grau de entendimento em relação a esta questão.





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